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Ator vive com HIV há 16 anos e transforma experiência em informação: 'Ninguém merece passar por isso sozinho'

Ator vive com HIV há 16 anos e transforma experiência em informação Quando descobriu que vivia com HIV em 2009, o ator e dançarino de Ribeirão Preto (SP) ...

Ator vive com HIV há 16 anos e transforma experiência em informação: 'Ninguém merece passar por isso sozinho'
Ator vive com HIV há 16 anos e transforma experiência em informação: 'Ninguém merece passar por isso sozinho' (Foto: Reprodução)

Ator vive com HIV há 16 anos e transforma experiência em informação Quando descobriu que vivia com HIV em 2009, o ator e dançarino de Ribeirão Preto (SP) Rafael Bolacha, tinha 25 anos e passava uma temporada no Rio de Janeiro (RJ), onde ensaiava para a primeira parada da Disney no Brasil. O diagnóstico veio em meio à rotina intensa de trabalho e trouxe o silêncio inicial que muitos pacientes ainda enfrentam. O primeiro passo para transformar a experiência em diálogo público foi registrar as próprias emoções em um blog, criado sob pseudônimo. Dezesseis anos depois, aquele diário virtual virou livro, curta metragem, espetáculos de dança, palestras e campanhas de comunicação sobre a doença. ✅Clique aqui para seguir o canal do g1 Ribeirão e Franca no WhatsApp Hoje, Rafael fala publicamente sobre viver com HIV, defende o acesso à informação e denuncia situações de discriminação que ainda atingem quem tem o vírus. Se o preconceito é uma doença, a informação é a cura. Eu sempre falo: calma, respira e se informe. Ninguém precisa ter uma vida exposta, como eu tenho da minha sorologia. Mas ninguém merece passar por isso sozinho Diagnosticado há 16 anos, o ator e produtor cultural Rafael Bolacha transformou a própria experiência em informação, arte e diálogo sobre prevenção, tratamento e direitos Felipe Lwe 🎭Diagnóstico em meio ao auge da carreira O diagnóstico do HIV de Rafael veio quando ele ensaiava para a parada da Disney, que aconteceria em Copacabana, no Rio de Janeiro. Ele tinha se mudado pouco tempo antes para seguir a carreira artística, depois de se formar ator em São Paulo (SP). Durante os ensaios, um sinal chamou a atenção: uma diarreia persistente, sem febre nem outros sintomas. LEIA TAMBÉM Professor que vive com HIV ajuda pessoas a se livrarem de 'culpa' do diagnóstico: 'Processos de cura' Mulher que descobriu câncer de mama dias antes do parto alerta sobre autocuidado: 'Hoje eu sou a minha prioridade' Menopausa induzida, mastectomia preventiva: mãe e filha contam como lidam com síndrome que eleva chances de câncer Ao g1, Rafael contou que, depois de semanas doente, procurou um médico, que pediu uma bateria de exames, entre eles o de HIV. "Comecei a perceber que eu tinha uma diarreia que não tinha relação com mais nada, não tinha febre, não tinha nada. Na terceira semana, já tinha emagrecido 5 kg e falei 'tem alguma coisa estranha aí'. Toda vez que eu ia fazer prova de figurino, já estava ficando largo. Então fui atrás de saber o que eu tinha. No meio dos exames que eu ia fazer, tinha o do HIV". Na época, o resultado levava cerca de um mês. Rafael recebeu a confirmação sozinho, no computador de casa. As primeiras imagens que vieram à cabeça foram as que marcaram a epidemia nas décadas de 1980 e 1990: Cazuza, Renato Russo, Betinho. "Eu recebi meu diagnóstico sozinho na frente do computador e, automaticamente, a referência ainda era de morte. O primeiro médico que me atendeu, deu informações erradas com relação às medicações e só me encaminhou para o Hospital Federal de Ipanema. Foi lá que, de fato, tive atendimento, equipe de enfermagem, explicações e consegui marcar minha primeira consulta para tirar dúvidas". Com dúvidas sobre futuro profissional, saúde e rotina, iniciou acompanhamento médico e passou a escrever como forma de entender as próprias emoções. 📖Blog anônimo e a transformação em livro A escrita, que já fazia parte da rotina de Rafael, virou ferramenta de cuidado. Em janeiro de 2010, ele criou o blog "Uma Vida Positiva", sob pseudônimo. O objetivo inicial era terapêutico: registrar pensamentos e reflexões sobre o próprio diagnóstico. A divulgação em comunidades do Orkut fez o espaço ganhar leitores e mensagens de pessoas recém-diagnosticadas ou familiares em busca de orientação. O que começou como um diário ganhou dimensão pública. Rafael usou o blog como base de trabalhos da faculdade de ciências sociais, ainda sem revelar a autoria. O material se tornou o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e depois o livro "Uma Vida Positiva", lançado em 2012. Fui entendendo que as pessoas querem encontrar maneiras distintas de falar sobre o tema. Tem quem queira ler na internet, tem quem queira pegar um livro, assistir a um espetáculo, ver um filme, uma palestra, uma entrevista. Na época, não sabia o que ia acontecer com a minha vida, inclusive em questões públicas, enquanto ator e bailarino. Mas, ter meu rosto ali era uma responsabilidade de repassar informações corretas Rafael Bolacha no lançamento do livro 'Uma Vida Positiva', em que relata a experiência de viver com HIV e fala sobre informação, prevenção e enfrentamento do preconceito Cíntia Pimentel Depois do diagnóstico, Rafael chegou a dizer para si mesmo que não seria mais ator nem bailarino. Com o tempo, ele conta que conseguiu se reorganizar. O primeiro passo foi o espetáculo de dança "Da Razão do Vermelho", baseado no livro, que estreou no Sesc Ribeirão Preto e já tem 12 anos de trajetória, com apresentações em várias cidades e passagem por Nova York. Rafael estruturou uma produtora e lançou uma trilogia de trabalhos de dança, cuja última parte estreou neste ano no Sesc Ribeirão. Hoje, concilia a atuação como ator, produtor, escritor e bailarino. Do diagnóstico aos 25 anos à atuação pública hoje: Rafael Bolacha fala sobre viver com HIV, combater o preconceito e ampliar o acesso à informação Felipe Lwe 🔎Tratamento, pesquisa e saúde como rotina Quando Rafael recebeu o diagnóstico, em 2009, o protocolo internacional recomendava iniciar a terapia antirretroviral apenas quando as defesas do organismo estivessem muito baixas e a carga viral alta. Ele passou o primeiro ano pós-diagnóstico sem medicação, com acompanhamento a cada três meses e acabou se tornando voluntário de uma pesquisa internacional que avaliava justamente o impacto de começar o tratamento logo após a descoberta do HIV. O estudo ajudou a mudar a recomendação mundial e consolidou o conceito de que pessoas em tratamento, com carga viral indetectável, não transmitem o vírus em relações sexuais. O caminho não foi simples. Rafael conta que descobriu alergia a alguns antirretrovirais e desenvolveu síndrome do intestino irritável relacionada às combinações de remédios. Em determinado momento, ele chegou a tomar cerca de sete comprimidos por dia, incluindo medicamentos para amenizar efeitos colaterais. Com o avanço dos esquemas, Rafael passou de três comprimidos para dois e hoje faz uso de um único comprimido diário. Parte da rotina de cuidado envolve hábitos cotidianos: alimentação, hidratação, sono e atividade física. "Estou em outra fase. Faz muito tempo que não fico doente, não lembro a última gripe. Eu saio, me divirto, bebo, mas aprendi a ouvir o meu corpo. Tratamento não é só remédio". Cena do curta-metragem inspirado no livro Uma Vida Positiva, que retrata o diagnóstico e o enfrentamento do HIV Divulgação 🩸Diagnóstico, prevenção e informação Dados da Vigilância Epidemiológica mostram que a região de Ribeirão Preto (SP) e Franca (SP) registra uma queda contínua na detecção de HIV. A taxa caiu de 30,2 por 100 mil habitantes, em 2017, para 22,7 em 2024. Em números absolutos, foram 165 casos em 2024. Em 2023, eram 181. Entre os novos diagnósticos, homens seguem como maioria — taxa de 35,9 por 100 mil habitantes —, mas a participação feminina cresce proporcionalmente. Os grupos mais atingidos são jovens de 20 a 39 anos. Entre mulheres, chamam atenção as faixas de 20 a 24 e 40 a 49 anos. O infectologista Cláudio Penido Campos Júnior destaca que a redução da mortalidade está diretamente ligada ao diagnóstico precoce e ao acesso ao tratamento. "Há duas décadas, os pacientes tomavam vários comprimidos por dia. Hoje falamos de um ou dois. É um tratamento seguro, com expectativa de controle prolongado. Nem sempre a infecção dá sinais no início. Quando aparece, pode parecer um quadro viral agudo, com febre, mal-estar e aumento de gânglios". O infectologista também reforça a importância da prevenção combinada, que inclui preservativo, PrEP (profilaxia pré-exposição) e PEP (pós-exposição): "Não basta confiar apenas na medicação. Se as medidas comportamentais forem abandonadas, outras ISTs, como a sífilis, continuam a aumentar". Rafael Bolacha descobriu HIV em 2009, aos 25 anos e hoje mantém uma vida saudável Arquivo pessoal 🤗'Calma, respira e se informe' Ao olhar para os últimos 16 anos desde o diagnóstico, o ator explica que a informação é a principal ferramenta contra o preconceito e o medo. Ele reforça a necessidade de falar mais sobre HIV com adolescentes e jovens, especialmente meninas. "Se não é conversado em casa, precisa ser dito na escola, que é o maior ambiente social do jovem. Eles não vão sozinhos atrás de informação correta na internet, precisam de direcionamento." Na visão de Rafael, viver com HIV hoje passa, sobretudo, por entender que saúde é um conjunto de escolhas diárias. Ter uma saúde sexual ativa é importante para todo mundo. Se cuidar é responsabilidade individual. Informação, tratamento e prevenção existem. Falta a sociedade assumir que esse assunto faz parte da vida O espetáculo Da Razão do Vermelho (à direita) nasceu do livro Uma Vida Positiva e aborda o viver com HIV a partir da dança contemporânea Divulgação/ Felipe Lwe *Sob a supervisão de Flávia Santucci Veja mais notícias da região no g1 Ribeirão Preto e Franca VÍDEOS: Tudo sobre Ribeirão Preto, Franca e região

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